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NOTÍCIA

Pandemia causa prejuízos na alfabetização, avaliam especialistas

Famílias relatam falta de apoio do poder público para a realização de atividades e professores se sentem ansiosos neste momento de pandemia
Data: Domingo, 07/06/2020 13:14
Fonte: Karla Dunder, do R7

Daiane Aparecida Cardoso está desempregada e para garantir o sustento dela e dos três filhos trabalha como faxineira. Moradora da Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo, Daiane enfrenta o desafio de cuidar sozinha da educação dos filhos durante o isolamento por conta do novo coronavírus.

“É muito difícil ensinar os meninos porque eu tenho muita dificuldade na leitura, além disso, preciso sair para trabalhar, não tenho como acompanhar”, conta a 

Miguel está na fase de alfabetização e conta com a ajuda da irmã mais velha para estudar. Barbara não conseguiu retirar o material na escola e parou os estudos durante a pandemia. “As crianças não têm como acompanhar as aulas pela internet, eles estudam só com os livros”, explica a mãe.

A realidade de Daiane é um retrato da situação de muitas mães e coloca em evidência as dificuldades geradas pela pandemia, que acentuou as desigualdades sociais existentes no país. A evasão escolar e a falta de estímulo às crianças na fase de alfabetização são pontos que preocupam os especialistas.


“A alfabetização é um problema que se arrasta há muitos anos no Brasil, principalmente na rede pública”, observa a psicopedagoga Ivone Scatolin. “Não é só ensinar a ler e escrever, mas estimular a criança a compreender o mundo que está a sua volta, sem esquecer que a matemática deve caminhar junto.”

Para Ivone, a pandemia pode agravar ainda mais a deficiência na leitura e na escrita de muitos estudantes brasileiros. “Os pais estão preocupados com a sobrevivência neste momento, não tem como estimular os filhos, muitos não têm condições, sem contar a dificuldade de acesso à internet.”

Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação, avalia que para o processo de educação evoluir em casa, as famílias precisam ser orientadas pelas escolas. “Os pais não foram preparados para ensinar e quanto mais informações de como agir e quais as atividades devem ser realizadas melhor”, explica. “Cabe ao setor público enviar essas informações e não deixar o processo de educação apenas com os pais.”

Na fase de alfabetização, mesmo as crianças que têm acesso aos aparatos tecnológicos não têm autonomia. “Quando elas estão nas escolas, os professores estão aptos a ler e interpretar a fase da alfabetização e podem propor atividades específicas”, explica Maria José da Nóbrega, pedagoga e coordenadora pedagógica de Língua Portuguesa da Editora Moderna. “A relação de troca entre os seus pares é muito importante e em casa eles perderam esses dois pilares.”

Os especialistas também criticam a ausência do MEC (Ministério da Educação) em coordenar ações neste momento de pandemia. “Com o Ministério completamente à parte, as escolas estão perdidas e têm dificuldade em definir quais os caminhos seguir, além de aprofundar o desamparo à população mais vulnerável”, avalia Maria José.

Estímulo

“Acho que a rede pública deveria estimular mais as crianças, oferecer um material mais direcionado, com mais atividades, com sugestões de brincadeiras que auxiliem no aprendizado”, avalia Juliana Batista Bertani de Souza Brito, mãe de três crianças e moradora do Jardim Antártica, zona norte de São Paulo.

Juliana é assistente de compras, mas parou de trabalhar fora para cuidar dos filhos na pandemia. O mais novo é um bebê de 4 meses. Filha de professora, ela entende a importância de estimular as crianças em casa e do papel da leitura.

“As aulas foram suspensas em março, mas só recebi o material na última semana. Eu acompanho as crianças nas aulas pelo celular, mas busco atividades extra na internet, vídeos no YouTube, pego revistas e recortamos letras para que elas não fiquem defasadas”, diz.

Para Juliana, muitas crianças ficarão prejudicadas neste momento. “As famílias precisam sair para trabalhar, vejo crianças soltas nas ruas e sem máscara, sem internet, sem acompanhar as aulas”, diz. “O ensino remoto não atinge a todos, muitos vão ao colégio só pela merenda, vejo que a comunidade carente é a que mais sofre na pandemia.”

Professores


O WhatsApp é a ferramenta utilizada por muitos professores da rede pública para conseguir conversar com os pais, tirar dúvidas e auxiliar nesse momento de aulas a distância. “Muitas famílias têm recebido instruções por áudio, mas não podemos esquecer que este é um momento de exceção vivido por todo o mundo”, diz Maria José.

 

Pesquisa realizada pelo Instituto Península avalia que os professores se sentem ansiosos e preocupados com a sua saúde física e mental. O Instituto ouviu 7.700 professores de todas as redes do Brasil no dia 22 de maio deste ano.

Segundo os dados, 66% estão muito ansiosos. 88% declararam que nunca havia dado aula virtual e 84% não se sentem preparados para dar aulas em vídeo.

Justamente os professores da educação infantil e ensino fundamental pedem mais orientações para os gestores porque precisam mais do contato com os alunos e se sentem desnorteados neste momento.

“É um momento muito delicado para todos, pais e professores precisam de escuta e acolhimento, e saber que estamos fazendo o que é possível de ser feito”, observa Mariana Breim do Instituto Península.

Ivone Scatolin destaca que a criança pode ter prejuízo no conteúdo, mas é preciso levar em conta o aprendizado que a quarentena traz. “Falar sobre empatia, proteção e cuidado são lições de grande valia e não podem ser descartadas.”

"O retorno será outro processo de adaptação e planejamento. A retomada de todo o conteúdo será gradual e levará alguns anos. O importante será saber avaliar e acolher os estudantes", conclui Maria José Nóbrega.